quinta-feira, 25 de julho de 2013
Impasse entre governo e médicos põe saúde em encruzilhada
Investimento em infraestrutura
Melhorar a rede hospitalar é um tema central para governo e médicos. O Ministério da Saúde promete injetar R$ 7,4 bilhões em melhorias até 2014, para reformar ou construir 17.800 Unidades Básicas de Saúde. As obras estarão totalmente contratadas até setembro, promete o governo.
Mas o Conselho Federal de Medicina pondera que o que faltou foi justamente investir o prometido em anos anteriores.
"O governo não começou agora", pondera D'Ávila, presidente do Conselho.
"No ano passado, deixaram de gastar R$ 9 bilhões (do orçamento), não empenhados, e R$ 8,5 bilhões em restos a pagar, não empenhados também. É o país do improviso. Só agora, depois de dois anos e meio desta gestão eles querem fazer estas obras, que vão levar pelo menos um ano até ficarem prontas?"
O governo alega que o contingenciamento de recursos não é exclusivo do Ministério da Saúde e é definido pela área econômica. O Ministério afirma que o orçamento para a saúde passou de R$ 28,3 bilhões, em 2002, para R$ 96,9 bilhões, em 2012, e deve superar os R$ 100 bilhões em 2013.
O Ministério garante ainda que vem aplicando 99% dos recursos não contingenciados, e que a prática é não cancelar restos a pagar - e sim pagar no ano seguinte. Segundo o Ministério, dos R$ 8,5 bilhões de restos a pagar de 2012, mais da metade foram pagos nos seis primeiros meses de 2013.
"A diferença deste programa é que o município que aderir ao Mais Médicos terá que aderir ao programa de reforma e construção das unidades de atendimento", acrescenta Mozart Sales, do Ministério.
De acordo com o governo, 1.874 dos 5.565 municípios brasileiros aderiram ao programa Mais Médicos, o que equivale a 33%. Desses, 671 estão entre os 1.290 municípios prioritários para receberem novos profissionais.
Médicos estrangeiros
Ponto nevrálgico do programa Mais Médicos, que rendeu protestos em muitas cidades brasileiras e bastante discussão na mídia, a contratação de profissionais estrangeiros só ocorrerá caso profissionais brasileiros não tenham interesse na totalidade das 11 mil vagas oferecidas pelo programa em sua primeira chamada pública.
A preferência seria para portugueses, espanhóis e argentinos, embora qualquer profissional estrangeiro com domínio da língua portuguesa possa tentar uma vaga.
O auge da discórdia entre médicos e governo é a adoção do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida), o programa de revalidação de diplomas para profissionais formados fora do Brasil.
Tanto o Conselho Federal de Medicina quanto a Ordem dos Médicos de Portugal defendem a adoção do Revalida na seleção de médicos estrangeiros que participem do Mais Médicos. Mas o governo prefere uma avaliação de três semanas, nas universidades federais, às quais o programa está associado.
"O governo está criando uma regra transitória para evitar o regime de avaliação do próprio governo. É óbvio que a exigência será menor. Médicos com qualificação inferior são um problema tão grande quanto a falta de médico", critica o presidente da Ordem dos Médicos de Portugal, José Manuel Silva, em linha com seus pares brasileiros.
"Para esta população [carente], vale um médico de qualidade inferior?", questiona Roberto Luiz D'Avila, presidente do CFM. "O mais grave é ter uma pseudo assistência e tirar das pessoas que mais precisam o direito a um tratamento de qualidade".
O Ministério afirma que não quer usar o Revalida porque significaria que os médicos teriam revalidação plena para exercer a profissão no Brasil, podendo deixar o programa e migrar para o setor privado.
"Como podemos afirmar que médicos de Portugal, Espanha e Argentina não são bons?", questiona Mozart Sales, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. "Quem se opõe ao programa é que tem que se explicar", complementa.
O secretário reforça que o programa condiciona a participação dos médicos na chamada atenção básica. Por outro lado, diz, os contratos de três anos, temporários, evitam que haja mudanças no mercado de trabalho para os médicos brasileiros, que não enfrentariam a concorrência caso os estrangeiros tivessem diplomas revalidados.
"O problema não é de mercado", rebate Roberto Luiz D'Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina. "Quem colocou o mercado na equação foi o governo. Não aceitamos uma bolsa de R$ 10 mil, sem décimo terceiro, e sem condições básicas de trabalho".
Tanto D'Ávila quanto Silva preveem baixa adesão de médicos europeus. "O Brasil tem o melhor e o pior da medicina. No caso das unidades do interior, não creio que os médicos portugueses vão se adaptar. Para muitos seria um choque. E em Portugal não há tantos médicos desempregados assim. A primeira opção será ir para outro país europeu, e não para o Brasil rural", diz Silva, da Ordem dos Médicos de Portugal.
No caso da Espanha, onde integrantes do governo também estiveram para divulgar o programa, a adesão pode ser um pouco diferente.
"Há cerca de 2800 médicos sem emprego. A maioria está indo para outros países da Europa, mas há interessados no programa brasileiro", diz Fernando Rivas, do Comitê de Emprego Precário da Organização Médica Colegial da Espanha, lembrando que a precariedade nos contratos de trabalho na Espanha pode pesar a favor da ida para o Brasil. "Há profissionais que tiveram 140 contratos em um ano. Sair disso para um contrato de três anos pode ser atrativo", avalia.
Ele afirma que, embora "uma coisa seja a oferta do governo e outra o que será entregue aos profissionais", o Mais Médicos é "um bom programa no sentido global".
"Estamos advertindo que as pessoas tomem cuidado. Mas, do ponto de vista brasileiro, o efeito da presença dos médicos estrangeiros será bom, porque haverá pressão sobre o sistema por condições de trabalho. O aumento do número de médicos e a infraestrutura têm que andar juntas", pondera.
Mudanças na formação
De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considerando dados de 48 profissões de todo o país, a medicina é a carreira que oferece o maior salário médio (R$ 6.940,12) e a maior taxa de ocupação (91,8% dos profissionais estão trabalhando), além de cobertura previdenciária, pública ou privada, para 90,7% dos trabalhadores.
A procura pela medicina é grande, mas, pelos cálculos do Ministério da Saúde, o Brasil, se comparado a países como Portugal e Espanha, tem metade das vagas para formação de médicos do que deveria.
"O Brasil oferece, anualmente, 17 mil vagas nas escolas de medicina para uma população de 190 milhões. A Espanha tem 7 mil vagas por ano, para uma população de 46 milhões, e Portugal tem 1700 vagas para uma população de 13 milhões", diz Mozart Sales.
A meta do Executivo é criar mais de 11 mil vagas em universidades públicas e privadas até 2017, com enfoque para as regiões pobres. Segundo o governo, o número de vagas para ingresso nos cursos de medicina cresceu de 7.800 (1993) para 16.852 (2011) e a razão entre o número de inscritos por vaga passou de 25,5 para 41,3 no mesmo período. Ou seja, na medicina o aumento da oferta de formação foi acompanhado pela demanda correspondente. E ainda não existe nenhum sinal de que haverá saturação nos próximos anos.
Além de aumentar a oferta de vagas nas escolas públicas de formação de médicos, o governo resolveu estender a duração do curso, adicionando dois anos de residência em saúde da família, com atuação da rede do SUS no local de formação, uma vez que muitos médicos fazem residência nos grandes centros, onde a presença deles é menos necessária.
O Conselho Federal de Medicina também discorda desta medida. Diz que, na prática, estudantes já fazem isso no 5° e no 6° anos de curso. Entidades médicas vêm acusando o governo de "explorar mão de obra" ao obrigar recém-formados a atuarem por dois anos no SUS.
"Defendemos que futuros médicos passem pelo SUS, sob supervisão de professores, desde 2001. Mas aumentar o curso em dois anos é absurdo. Basta abrir vagas e concursos para postos de saúde da família no SUS", diz Roberto Luiz D'Avila, presidente do Conselho, insistindo para que o governo federal volte a contratar profissionais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu uma nota esta semana dizendo que apoia o programa Mais Médicos. "Para a Organização, são corretas as medidas de levar médicos, em curto prazo, para comunidades afastadas e de criar, em médio prazo, novas faculdades de medicina e ampliar a matrícula de estudantes de regiões mais deficientes, assim como o numero de residências médicas".
Entenda o 'Mais Médicos'
- Profissionais receberão bolsa de R$ 10 mil, mais ajuda de custo, e farão especialização em atenção básica durante os três anos do programa.
- As vagas serão oferecidas prioritariamente a médicos brasileiros, interessados em atuar nas regiões onde faltam profissionais.
- No caso do não preenchimento de todas as vagas, o Brasil aceitará candidaturas de estrangeiros.
- O médico estrangeiro que vier ao Brasil deverá atuar na região indicada previamente pelo governo federal, seguindo a demanda dos municípios.
- Criação de 11,5 mil novas vagas de Medicina em universidades federais e 12 mil de residência em todo o país, além da inclusão de um ciclo de dois anos na graduação em que os estudantes atuarão no Sistema Único de Saúde (SUS).
Fonte: Terra
Foto: www.cartaovermelhotv.com.br
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