A saúde no Brasil vive um impasse que opõe médicos e o governo e coloca em risco a modernização de um setor crucial visto como deficiente e que é frequentemente mal avaliado pela população.
Em junho deste ano, uma pesquisa do Ibope realizada em 79 municípios de todo o país e divulgada pela revista Época mostrou que 78% dos entrevistados julgam que o maior problema do Brasil é a saúde. Ainda em janeiro, outro levantamento feito pelo Ibope em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicou que 61% dos brasileiros consideram o sistema de saúde péssimo ou ruim.
O momento é de muitas propostas para avançar a saúde pública no Brasil e entre os consensos que unem todos os lados estão a necessidade de melhorar a distribuição de médicos e a urgência na modernização da infraestrutura.
Mas a forma pela qual estas proposições serão implementadas opõe médicos e governo, especialmente em relação ao polêmico programa "Mais Médicos", que já tem cerca de 12 mil inscritos e cuja primeira fase de inscrições termina nesta quinta-feira.
O conflito de opiniões visto nas últimas duas semanas tem um resultado evidente: coloca em compasso de espera progressos aguardados pelos 75% dos brasileiros que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), dependem do Sistema Único de Saúde (SUS).
A BBC Brasil ouviu entidades médicas e governo para mapear este conflito, que envolve políticas públicas, ambições eleitorais e enormes expectativas quanto a mudanças que vêm sendo prometidas há décadas por líderes dos governos municipais, estaduais e federal.
O impasse
Proposto pelo governo na esteira dos protestos do último mês, o programa Mais Médicos tem duas frentes: atrair médicos para áreas do país onde faltam profissionais (segundo o governo, 700 cidades brasileiras não têm médicos) e estender os cursos de formação médica por dois anos, tornando obrigatória a residência nos programas da saúde da família para os estudantes neste período.
O projeto foi recebido com enorme resistência pelas entidades representativas dos médicos.
Na semana passada, em retaliação ao projeto, estes grupos se retiraram de ao menos 11 comissões do Ministério da Saúde, entre elas a Comissão Nacional de Residência Médica e o Conselho Nacional de Saúde.
"Tem que ser o que eles [governo] querem. E aí é impossível", disse à BBC Brasil Roberto Luiz D'Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), entidade que representa e certifica médicos no país.
"Há resistência porque estamos propondo uma mudança no status quo", rebate Mozart Sales, secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério.
Entre críticas na mídia brasileira aos médicos, por supostos elitismo e corporativismo, e ao governo, por casuísmo e falta de visão de longo prazo, a medida provisória que instala o Mais Médicos foi enviada ao Congresso.
Mais de 500 emendas foram apresentadas pelos parlamentares. Mas, enquanto o Congresso não se manifesta em definitivo, o projeto vai sendo tocado adiante pelo governo. E o CFM, apesar de já ter entrado com uma ação civil pública contra a União para suspender o programa, promete ainda mais.
Falta de médicos
O governo, porém, se apoia em estatísticas para justificar o Mais Médicos.
Embora não exista uma recomendação específica da OMS sobre o número de médicos recomendado por mil habitantes, o Ministério da Saúde usa como referência - e meta - a proporção encontrada na Grã-Bretanha (2,8 médicos por mil habitantes) que, depois do Brasil, tem o maior sistema de saúde público de caráter universal do mundo.
Críticos dizem que a média brasileira de 1,8 médicos por mil habitantes não é baixa, e que o problema é de distribuição e falta de estrutura para atendimento. Prova disso é que 22 Estados brasileiros estão abaixo da média nacional, com profissionais concentrados nas regiões Sul e Sudeste.
O CFM concorda que são necessários mais médicos, mas em um estudo sobre demografia no setor, afirma que o crescimento natural no número de profissionais é de 6 a 8 mil por ano - e que o Brasil se aproximaria da média britânica em aproximadamente oito anos, quando chegaria a 2,5 médicos por mil habitantes.
"O governo quer culpar os médicos pela situação da saúde. É jogada de marketing. A propaganda do governo é muito forte. Não aguentamos mais políticas pequenas, que não são de estado", diz Roberto Luiz D'Avila, presidente do CFM.
Atendimento no SUS
O Conselho Federal de Medicina propõe a criação de uma carreira exclusiva de Médico da Atenção Básica, nos moldes de juízes, procuradores públicos e militares.
"Não falta médico no país, faltam médicos no SUS", diz o presidente do CFM.
D'Ávila diz que em 1998, 44% dos funcionários da saúde eram contratados do governo federal. Hoje, são 6%.
O Ministério da Saúde alega que a maior parte do atendimento é feita por unidades locais - há somente sete hospitais federais no país, seis dos quais no Rio de Janeiro.
Por isso, a contratação de médicos é de responsabilidade dos Estados e municípios, com aporte financeiro do governo federal.
A queda no gasto com médicos exclusivos da esfera federal não seria, portanto, necessariamente ruim. Refletiria apenas a descentralização da saúde a partir da criação do SUS, pela Constituinte de 1988.
Para o CFM, a valorização destes profissionais e o aparelhamento das unidades de saúde, somadas a um programa permanente de fixação de médicos no interior, ajudariam a resolver o problema - receita com a qual o governo concorda. A divergência aparece, porém, quando o assunto é quanto e como gastar.
"Não dá para dizer que não precisa ter mais médico porque não tem infraestrutura. O médico é essencial e insubstituível", diz Mozart Sales, do Ministério da Saúde.
"Concordamos com a criação de uma carreira de estado, mas isso tem que ser articulado entre as diferentes esferas envolvidas no SUS (federal, estadual e municipal). Estamos aplicando R$ 5 milhões em estudos para um projeto nesse sentido. O problema é que as entidades médicas estão contra todas as propostas, só aceitam uma carreira federal, com piso inicial equivalente a 7 mil euros (cerca de R$ 20 mil). Em que país do mundo médicos começam a carreira recebendo isso?", questiona o secretário.
Já existe uma proposta de emenda constitucional em tramitação no Congresso (a PEC 34, de 2011) que cria a carreira de estado para os médicos nas três esferas. O Ministério diz apoiar esta PEC, mas quer mudanças: que o médico que entre por concurso dedique-se exclusivamente ao SUS, 40 horas por semana, e que não possa ter consultório particular, sendo a única exceção o trabalho acadêmico, o que não estava assegurado no texto original.
Continua...
Fonte: Terra
Foto: www.cartaovermelhotv.com.br
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